As UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) do Hospital Geral de Roraima (HGR) poderão ser terceirizadas e funcionar por meio de empresa privada. É o que indica o aviso de cotação de preço da Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) para “eventual contratação” de empresa especializada para prestação do serviço de operacionalização de leitos de terapia intensiva.
A publicação do comunicado ocorreu no dia 14 de novembro de 2024 na aba de licitações do site da Saúde. O aviso menciona a necessidade de gerenciamento técnico, administrativo, fornecimento de mão de obra especializada, manutenção de equipamentos, entre outros itens necessários para o funcionamento das UTIs do maior hospital do estado.
O deputado estadual Cláudio Cirurgião (União), que já se manifestou publicamente contra a proposta nas redes sociais, afirmou que a terceirização traria sérios prejuízos à qualidade dos serviços prestados. Para ele, a medida precarizaria a mão de obra ao promover alta rotatividade de profissionais, muitos sem a especialização necessária para atuar em um ambiente de alta complexidade como as UTIs.
“Quando você terceiriza qualquer setor público no Estado, você precariza a mão de obra. Você não tem vínculo efetivo do servidor. Quando o profissional começa a se ambientar, ter habilidade técnica para atuar no local, esse profissional é trocado”, afirmou o parlamentar em entrevista à Folha. “Nós temos profissionais que há mais de duas, três décadas atuam nas UTIs do Estado, e quando você terceiriza, você acaba trazendo profissionais sem nenhuma expertise”, completou.
Cirurgião ainda apontou que, por mais que a pretensão do governo seja baratear a saúde pública, a terceirização como solução para problemas financeiros e administrativos não é a melhor opção. O deputado comparou a situação com a atual dificuldade do Estado em pagar empresas terceirizadas em outros setores da saúde.
“Se a terceirização fosse a solução, por que hoje o Estado está devendo a diversas empresas que já prestam serviços ao governo? Por exemplo, serviço de hemodiálise, de nefrologia, empresa que é responsável por fazer os cateterismos, que são empresas de hemodinâmica; empresas que fazem cirurgias eletivas, empresas de endoscopia. […] Tem empresas que estão atrasadas desde fevereiro de 2024. Vamos completar agora um ano de atraso de pagamento. Tinha empresa que já estava com 10 meses de atraso, foi pago em outubro do ano passado. Houve uma repercussão nas redes sociais, na imprensa, de um paciente gravíssimo que precisava fazer endoscopia, foi quando o governo, através da Secretaria de Saúde, pagou”, exemplificou.
O que dizem os Conselhos de Medicina e Enfermagem
Procurados pela reportagem, o Conselho Regional de Medicina de Roraima (CRM-RR) e o Conselho Regional de Enfermagem de Roraima (Coren-RR) destacaram a importância de garantir a estabilidade e a qualificação dos profissionais que atuam nas UTIs.
Em nota, o CRM-RR afirmou que “não foi informado previamente pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) sobre o processo de ‘pejotização’ das UTIs” e apontou que a forma de contratação dos profissionais de saúde é de competência da Sesau. O conselho ressaltou, no entanto, que “o concurso público é a melhor forma de contratação, para garantir a fixação do profissional médico no estado, com garantia de um atendimento adequado e contínuo para a população, além de segurança jurídica e dignidade na carreira do profissional”.
A presidente do Coren-RR, Tárcia Barreto, também afirmou que o órgão não foi consultado sobre a demanda específica e que tomou conhecimento do aviso de cotação publicado pela Sesau por meio da reportagem. “Após receber essa informação, busquei contato com o Conselho Estadual de Saúde para identificar se essa matéria já foi apreciada, mas até o momento não obtivemos retorno”, declarou.
“Independentemente da modalidade de contratação, é essencial que sejam garantidos o respeito às questões éticas e legais que regem o exercício da enfermagem, bem como a segurança e as condições de trabalho dos profissionais envolvidos. Esperamos que não haja riscos à atuação dos enfermeiros e técnicos de enfermagem no estado”, completou Tárcia.
Mobilização contra a terceirização
Devido a possibilidade indicada pelo aviso de cotação da Secretaria de Saúde, sindicatos e lideranças comunitárias estão se mobilizando contra a decisão de terceirizar as UTIs do Hospital Geral de Roraima. Uma reunião será realizada nesta sexta-feira (24), às 14h, no auditório do Conselho Regional de Farmácia (CRF), localizado na Rua Professor Agnelo Bittencourt, 1506 – São Francisco.
“Não podemos permitir que serviços tão essenciais sejam entregues à gestão de empresas privadas, sujeitas a atrasos e falhas que penalizam diretamente a população”, destaca o convite.
Sesau diz que iniciativa segue tendência nacional
A Secretaria de Saúde informou que a iniciativa segue uma tendência nacional de gestão, voltada para otimizar o atendimento em hospitais públicos e aprimorar a qualidade do serviço oferecido à população, acompanhando práticas que já demonstraram resultados positivos em outras regiões do país.
Ainda segundo a Sesau, a proposta prevê a possível contratação de uma empresa qualificada para gerenciar leitos de UTI do Hospital Geral de Roraima Rubens de Souza Bento. “Isso inclui a disponibilização de cerca de 482 profissionais especializados, além de mais de 180 tipos de recursos materiais e equipamentos essenciais para o pleno funcionamento da Unidade de Terapia Intensiva”.
A nota acrescentou ainda o resultado em outros estados: “Essa medida foi implementada com sucesso em outros estados, como o vizinho Amazonas, no Acre, Brasília, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Tocantins, Santa Catarina e São Paulo, trazendo melhorias significativas na prestação dos serviços de saúde”.
“Em Roraima, é válido destacar o exemplo do Hospital das Clínicas, recentemente transferido para a Universidade Federal de Roraima e agora sob gestão da Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). A formalização desse modelo de gestão contou com o apoio de profissionais de saúde e lideranças políticas, reforçando o compromisso com a modernização e eficiência no atendimento hospitalar”, acrescentou a Sesau.