O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início neste semana ao julgamento de duas ações que tratam da influência religiosa em tratamentos de saúde. O julgamento busca responder se a crença religiosa pode permitir que uma pessoa recuse um procedimento cirúrgico e se a liberdade de crença pode justificar o custeio de um tratamento especial pelo governo.
Até o momento, cinco ministros votaram a favor do direito de membros das Testemunhas de Jeová de recusar transfusões de sangue, prática proibida pela religião com base em suas interpretações bíblicas. A decisão será retomada na próxima semana.
Os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, relatores das ações, apresentaram teses que consideram a liberdade religiosa e a autonomia individual, defendendo que o Estado deve adotar uma postura neutra nesses casos.
As ações analisam casos de pessoas dessa fé que se recusaram a receber sangue. As decisões a serem firmadas pelo STF terão repercussão geral, impactando todos os casos semelhantes, independentemente da religião envolvida.
A tese de Barroso sustenta que:
“1. Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, tem o direito de recusar o procedimento médico que envolva transfusão de sangue com base na autonomia individual e na liberdade religiosa. 2. Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS. Podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.”
Já a tese de Gilmar Mendes estabelece que:
“1. É permitido ao paciente no gozo pleno da sua capacidade civil recusar-se a se submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos. A recusa a tratamento de saúde por razões religiosas é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretiva antecipada de vontade. 2. É possível a realização de procedimento médico disponibilizado a todos pelo SUS, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico científica de sucesso, anuência da equipe médica com sua realização e decisão inequívoca livre e informada e esclarecida do paciente.”
Além de Barroso e Gilmar Mendes, os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e André Mendonça também votaram a favor dessas teses.
Casos analisados
Em um dos casos, uma paciente foi encaminhada para realizar uma cirurgia cardíaca na Santa Casa de Maceió (AL). No entanto, o procedimento foi suspenso, pois ela se recusou a assinar um termo que autorizava transfusões de sangue em caso de necessidade. A paciente acionou a Justiça, mas não teve sucesso nas instâncias inferiores, que rejeitaram seu pedido para realizar a cirurgia sem a possibilidade de transfusão.
Quando a repercussão geral foi reconhecida, em 2019, Gilmar Mendes destacou a relevância da questão, afirmando que “a liberdade de credo deve ser assegurada de modo igual a todos”.
No mês passado, o STF ouviu os advogados do caso. A advogada Eliza Akiyama defendeu que a recusa de sua cliente não foi por “capricho” ou “fanatismo religioso”.
Em 2020, o então procurador-geral da República, Augusto Aras, emitiu parecer afirmando que o paciente pode escolher um tratamento que não envolva transfusão de sangue, desde que seja informado sobre os riscos. Porém, Aras ressaltou que essa regra não deve ser aplicada a menores de idade ou em situações de risco à saúde pública.
O segundo caso envolve uma discussão sobre o dever do Estado de custear tratamentos. A União recorre contra uma decisão que a condenou, junto ao Estado do Amazonas e ao município de Manaus, a cobrir os custos de uma cirurgia de artroplastia em outro estado para um paciente.