Nesta sexta-feira, 15 de novembro, o Brasil celebra o Dia da Proclamação da República, um marco na história do país que transformou a estrutura política nacional até hoje. No entanto, entre a oficialização de uma ideia e sua implementação real, sempre existe uma distância considerável.
Historiadores ressaltam que, apesar da República ter sido proclamada como um governo do povo, sua implementação foi, na prática, excludente, privilegiando apenas um pequeno grupo da sociedade. No final do século XIX e início do XX, setores como os pobres, negros, indígenas e mulheres foram marginalizados no projeto de uma sociedade considerada moderna.
“Foi um projeto da elite agrária cafeeira e dos militares, que haviam saído vitoriosos da Guerra do Paraguai. A junção dessas elites, que convocaram o Marechal Deodoro para a Proclamação, resultou na exclusão de grande parte da população brasileira”, afirma Camilla Fogaça, historiadora e integrante do Coletivo Historiadores Negros Tereza de Benguela.
De acordo com o historiador Vantuil Pereira, professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEPP-DH/UFRJ), a República inicialmente idealizada era elitista, liderada por militares e positivistas, influenciados pelo pensamento científico europeu do final do século XIX. “Esse conceito de sociedade excluía os pobres e os negros. No projeto de República, mestiços e negros estavam fora dos espaços de poder. Não se tratava de um Estado democrático e inclusivo”, afirma Pereira.
A Proclamação da República, portanto, foi um movimento articulado por três forças principais: uma parte do Exército, fazendeiros do oeste paulista e representantes das classes médias urbanas. O Império, já fragilizado desde a década de 1860 devido a conflitos como a Guerra do Paraguai, o movimento abolicionista e o fortalecimento de partidos republicanos, não resistiu. O Marechal Deodoro da Fonseca, que até então era monarquista, liderou o golpe que depôs Dom Pedro II e forçou a família imperial a se exilar na Europa.
Embora a hegemonia tenha sido branca e masculina, o jornalista e vereador José do Patrocínio, um homem negro, teve destaque ao tomar a iniciativa de ler a moção pública que proclamava o fim da monarquia na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. No entanto, as decisões políticas subsequentes mantiveram as mesmas estruturas raciais e de gênero que orientavam o regime monárquico.
A historiadora Camilla Fogaça ressalta, por exemplo, a exclusão das mulheres nesse novo contexto. “Logo após a Proclamação, a Constituição de 1891 já impôs a exclusão das mulheres do voto, um direito só conquistado na década de 30, na Era Vargas. A mulher foi relegada ao espaço familiar, isolada da vida política”, explica.
Nos primeiros anos da República, leis e mecanismos restritivos hierarquizavam direitos e civis. Vantuil Pereira aponta que o Código Penal da época limitava a circulação urbana e criminalizava a vadiagem, afetando principalmente negros e pobres. A Constituição da época também restringiu o voto dos analfabetos, grande parte deles ex-escravizados, aprofundando a exclusão.
Hoje, 134 anos após a Proclamação da República, a data serve não apenas como uma celebração, mas também como um convite à reflexão sobre os desafios contemporâneos de construir uma sociedade mais democrática e inclusiva. Vantuil Pereira pontua: “A maioria dos encarcerados no Brasil são negros, e o sistema de justiça precisa ser transformado para deixar de ser racista. Quando falamos de violência nas favelas, são principalmente negros que são atingidos. O Estado precisa ter políticas públicas voltadas para essas populações, não apenas de segurança, mas de habitação e saúde. Precisamos avançar nas políticas públicas de democratização do ensino e ampliar a participação das pessoas negras nos espaços de poder.”
Esses desafios, segundo Pereira, são fundamentais para concluir o projeto republicano e construir uma sociedade verdadeiramente democrática, civilizada e desenvolvida.
*Com informações da Agência Brasil