Cultura

Após 53 anos, agricultor reconhece filhos oficialmente

Defensoria Pública e Vara Itinerante auxiliaram no processo que beneficiou família

Algumas pessoas sonham em ter o sobrenome de ambos os pais, mas por algum motivo, geralmente alheio à sua vontade, passam toda a vida sem experimentar essa realidade. O Censo Escolar de 2011 aponta a existência de 5,5 milhões de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento. Em Roraima, cerca de 20 mil crianças são registradas apenas com o nome da mãe.

Uma realidade vivida até pouco tempo pela família do agricultor Enoque Nunes Costa, de 78 anos. Depois de 53 anos, o jardineiro José Marcolino da Silva, e seus irmãos Pedro da Silva (49), Rosanir Marcolino da Silva (45) e Rosilda da Conceição (36), tiveram a oportunidade de serem reconhecidos pelo pai oficialmente.

Enoque Nunes se casou aos 18 anos no Maranhão, porém seu casamento foi realizado apenas na Igreja. Quando foi registrar no cartório o seu primeiro filho, José Marcolino, a legislação à época não permitiu que ele conseguisse colocar seu sobrenome. De acordo com ele, o escrivão do cartório local informou que não existia uma certidão de casamento que comprovasse a relação afetiva com dona Maria da Conceição, sua esposa. Por conta disso, todos os filhos foram registrados apenas com o sobrenome da mãe.

“Nosso pai conviveu conosco durante toda a vida, mas não fomos registrados com o nome dele porque para o cartório o casamento religioso não era reconhecido. O casamento dos pais da minha mãe também foi só no padre e o nome dela era uma bagunça, depois que ela veio corrigir. Por isso até o nome dela saiu errado no nome dos três primeiros, apenas eu que sou a mais nova tive o nome certo da minha mãe”, explicou a caçula, Rosilda.

Em 2011, o viúvo e sua filha mais nova Rosilda se mudaram para Roraima. Os demais filhos já moravam no Estado. Atualmente, Enoque enfrenta diversos problemas de saúde, como Parkinson e sequelas de um derrame cerebral que o deixaram sem condições de se locomover. Por esse motivo, sua filha respondia por ele, por meio de uma procuração que, de seis em seis meses, deve ser renovada.

Contudo, percebendo a debilidade do pai, Rosilda acredita que o novo registro que a certifica como filha biológica facilitará mais para frente representá-lo, por meio de curatela, ou seja, administrar os bens do pai em seu lugar devido à impossibilidade de ele fazer por si mesmo. “Eu não trabalho fora, só para ficar em casa e cuidar dele. Para nós, ele é um herói, um líder na cidade onde morávamos no Maranhão”, disse emocionada.

Foi o próprio Enoque quem tomou a iniciativa de resolver definitivamente a questão, para evitar as idas constantes ao cartório. “Na última vez, esse ano, os servidores do Cartório perguntaram sobre os problemas de saúde do pai e falaram que dali a uns dias a memória dele começaria a falhar. Então, eles fizeram uma procuração e pediram pra que eu procurasse a Defensoria Pública para regularizar nossa situação”, disse Rosilda.

No início do mês de julho, Rosilda deu entrada ao pedido na Defensoria Pública do Estado (DPE) e logo foi encaminhada para a Câmara de Conciliação que atua junto à Justiça Itinerante. Nesta terça-feira, 02, a defensora pública Elceni Diogo, juntamente com o juiz Erick Linhares, foram em diligência até a casa do viúvo Enoque Nunes para oficializar o reconhecimento de paternidade tardio dos seus quatro filhos.

De acordo com a defensora Elceni, o Núcleo foi procurado pela filha mais nova, e a partir disso, a Câmara de Conciliação e Justiça Itinerante tiveram conhecimento da história e das dificuldades dos familiares. “Viemos até a casa da família, aqui no bairro Bela Vista, para realizar esse reconhecimento tardio”, esclareceu.

O juiz Erick Linhares explicou que a Justiça, em parceria com a Defensoria, desenvolve esse trabalho de humanização, sempre procurando ajudar as pessoas a resolverem seus problemas. “Viemos até a residência do senhor Enoque, conversamos com ele sobre os quatro filhos, ele fez o reconhecimento de todos e agora nós iremos registrá-los”.

O primogênito Marcolino destacou a rapidez no atendimento da demanda da família. “Eu nunca imaginei que para arrumar documento era rápido assim. Dos órgãos que eu vi, a Defensoria foi à única que não colocou dificuldades, nos atendeu prontamente. Após reunião com a defensora, em menos de 24 horas, a equipe estava aqui em casa. Aquilo que achávamos que era impossível de fazer, eles fizeram”, elogiou Marcolino.

O atendimento em tempo ágil é uma das principais prioridades da Defensoria Pública. Segundo a defensora Elceni Diogo, não é a primeira vez que a Câmara de Conciliação, núcleo criado pela DPE, realiza esse tipo atendimento de forma itinerante. “Sempre que percebemos que o assistido não consegue chegar até a Justiça, a Justiça tem ido até o assistido”, concluiu a defensora.