Cultura

Indígena usa plantas, orações e cantos para curar

Conheça a história da wapichana Lucila Mota de Souza, que aplica a medicina tradicional dos indígenas

Quem vê o rosto sorridente e bonito da wapichana Lucila Mota de Souza não imagina que ela tem 72 anos, doze filhos (onze deles vivos) e 111 netos. Também tem bisnetos e tataranetos e já perdeu a conta de quantos são.

Todos os seus filhos nasceram na aldeia e foram concebidos com a ajuda do marido, que fez seus partos. Assim ela aprendeu a ser parteira.

Lucila conta ter realizado mais de 500 partos em sua vida, sempre utilizando seus conhecimentos indígenas de cuidados com o bebê e com a mãe dele. “Às vezes a gente tem que virar o bebê na própria barriga. Tem que manter a mãe calma”, relata.

A matriarca indígena é hoje a xamã do povo wapichana da aldeia e mestre na arte da cura com plantas e rezas. Ela conta que não sofre com gripes, dores e mal-estar que são comuns em sua idade. Para ela, sua boa saúde é por conta dos costumes indígenas que aprendeu com os familiares.

Medicina tradicional

A rotina de cura de Lucila envolve rezas e cantos, que, aliados às ervas, transformaram-na em uma curandeira respeitada pelo seu povo.

Para elaborar remédios do mato, Lucila precisa rezar e seguir uma série de rituais até estabelecer contato com as entidades protetoras. “Não são apenas as receitas, é preciso pensar no bem e pedir licença. Se eu quero usar uma folha, uma erva, eu tenho que pedir e vou rezar. Se a natureza não permitir, o remédio não funciona”, explica.

Ela é uma das fundadoras da “Casa da Medicina Tradicional”, local que orienta os índios sobre a importância do uso de plantas para cuidar da saúde nas aldeias. A casa fica na localidade Jacamizinho, comunidade indígena Malacacheta, região Serra da Lua, aproximadamente 70 km de Boa Vista.

Geração a geração

Ela conta que na tribo os mais velhos transmitem experiências e conhecimentos aos mais jovens. “Eu aprendi com meu avô, ele me ensinava tudo, a respeitar a natureza e a respeitar as entidades. E não chateá-las ou fazer raiva. Às vezes a pessoa fica doente porque fez algo sem a permissão da natureza”, conta.

Segundo sua crença, esses poderes podem ser usados para curar doenças como também para provocá-las, razão pela qual é comum atribuir a origem de doenças aos feitiços. “A floresta responde às suas rezas. Se jogou lixo na natureza, você acaba ficando doente e não sabe o porquê, por isso temos que cuidar da floresta”, explica.

Para que se entenda mais de medicina indígena, é preciso mergulhar em seus mitos e rituais. A indígena acredita que as doenças são causadas pela desarmonia entre os humanos e a mata.

“Os índios não podem deixar de cultivar a sua cultura. Se eu quero comer algo, eu tiro da natureza, peço e ela dá. Quando eu era jovem, não tinha remédio, ninguém comprava no supermercado. Tinha leite, mas era de vaca. Tudo vinha da natureza, e não tinha doença”, comenta.

Para ela, a tradição de curar doenças com o uso de plantas se perdeu. “A maioria dos jovens trocou a tradição, não quer aprender, prefere comprar o remédio. Não podemos esquecer nossa cultura, nossa história”, finalizou.