
A riqueza cultural e a ancestralidade dos povos indígenas de Roraima ganham um novo espaço no universo da moda com o lançamento da Moda Indígena Kauwê, idealizada pela jovem liderança Karynna Stael Makuxi. O projeto une tradição, sustentabilidade e empreendedorismo para fortalecer a economia das comunidades indígenas e valorizar os talentos locais.
As primeiras coleções, Amanhecer Ancestral e Amazônica, trazem vestidos inspirados na Amazônia, com grafismos tradicionais pintados à mão pelo artista indígena Amayikok Casado. As peças variam entre R$ 140 e R$ 300, com preços acessíveis e confeccionadas em um processo que busca, no futuro, ser totalmente autossuficiente dentro das próprias comunidades. Todas as pecas podem ser adquiridas por meio do Instagram: @modaindigenakauwe.
A ideia da moda indígena começou há alguns anos, quando Karynna passou a usar roupas pintadas por José Casado, o Amayikok, um artista indígena da comunidade Bananal, situada a pouco mais de 200 quilômetros de Boa Vista, no município de Pacaraima. O sucesso das peças nos eventos e palestras que frequentava despertou o interesse do público e incentivou a empreendedora a transformar a proposta em um projeto comercial. “Eu sempre pedia para o senhor José pintar minhas roupas, e muitas mulheres me perguntavam onde poderiam comprar. Foi aí que comecei a pensar em lançar minha própria coleção, com modelos inspirados nos que eu já usava”, conta Karynna.
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O desejo de criar uma moda indígena com identidade própria levou Karynna a desenvolver um plano para envolver mais mulheres indígenas no processo produtivo. Inicialmente, por falta de mão de obra local, a empreendedora comprou vestidos sustentáveis de artesãs de Rondônia para servir de base para as pinturas. Agora, seu objetivo é estruturar a produção dentro das comunidades indígenas de Roraima. “Minha intenção é que as peças sejam feitas totalmente por mulheres indígenas, desde a costura até as pinturas. Já estou planejando a compra de máquinas de costura para que possamos iniciar a confecção dentro das comunidades”, afirma.
O lançamento da Moda Indígena Kauwê foi realizado durante um festejo na comunidade, reunindo um público entusiasmado que prestigiou o desfile das mulheres indígenas vestindo as criações. A recepção positiva reforça o potencial do projeto, que agora busca consolidar sua produção local.
“Minha intenção não é apenas vender roupas, mas contar histórias e fortalecer o nome dos nossos artistas. Quero que eles sejam reconhecidos, que suas artes ganhem o mundo”, ressalta Karynna.
A conexão com a ancestralidade
A coleção Amanhecer Ancestral é uma homenagem ao Monte Roraima, símbolo sagrado para os povos Macuxi, Ingarikó, Pémon e Taurepang. As peças retratam a conexão dos indígenas com o território e a importância da preservação cultural.
“Essa coleção traz elementos que representam nossa ligação com o Monte Roraima. Queremos que as pessoas sintam essa conexão ao vestir nossas peças”, explica Karynna.
Já a coleção Amazônica destaca a biodiversidade da floresta, com estampas de araras, tucanos, açaí e cupuaçu, valorizando os símbolos naturais da região.
Moda com propósito social
Além de incentivar o empreendedorismo indígena, o projeto também tem um viés social. Parte da renda das vendas será destinada a iniciativas que apoiam crianças autistas das comunidades, uma causa que toca diretamente Karynna Makuxi e o artista José, ambos pais de crianças com autismo. “Nós criamos uma peça especial para homenagear nossos filhos e queremos expandir esse trabalho, trazendo mais visibilidade para as crianças autistas das comunidades indígenas”, destaca a empreendedora.
A marca está em crescimento e já planeja o lançamento de uma coleção de etnojoias, feitas com sementes da região. “Estamos amadurecendo essa ideia, assim como a estruturação da produção local. Meu objetivo é que, em breve, todas as nossas coleções sejam feitas 100% dentro das comunidades indígenas”, afirma.
A Moda Indígena Kauwê já está disponível para vendas no Instagram @modaindigenakauwe, onde Karynna também atua como modelo das peças. No futuro, a ideia é abrir espaço para outras mulheres indígenas participarem das campanhas, ampliando a representatividade da marca.
“Queremos mostrar que o empreendedorismo indígena pode ser sustentável, planejado e benéfico para toda a comunidade. Não é apenas sobre moda, é sobre identidade, pertencimento e autonomia”, conclui Karynna.
Sebrae tem apoiado empreendedorismo indígena e negócios sustentáveis
O sucesso da Moda Indígena Kauwê e dos demais empreendimentos comunitários liderados por Karynna Stael Makuxi tem contado com um importante aliado: o Sebrae. A instituição tem sido fundamental no processo de capacitação e estruturação dos negócios dentro da comunidade, oferecendo suporte técnico e consultorias especializadas.
Atualmente, Karynna já faz parte do Programa de Turismo do Sebrae, por meio do qual tem ampliado seus conhecimentos e participado de eventos e capacitações sobre etnoturismo. Com a evolução da Moda Indígena Kauwê, ela estuda expandir essa parceria no próximo ano, aderindo também aos programas voltados ao setor de vestuário. “O Sebrae tem sido uma peça-chave no meu crescimento como empreendedora. Já participei de várias consultorias, viagens e projetos que me deram uma visão muito mais ampla do mercado. Se não fosse essa oportunidade, talvez eu não tivesse o conhecimento e a estrutura que tenho hoje para gerenciar meus negócios e ajudar a minha comunidade”, destaca.
Além da moda e do turismo, a comunidade onde Karynna atua também conta com outros empreendimentos que vêm sendo fortalecidos com o suporte do Sebrae, como o restaurante local, os condutores de turismo e as artesãs da comunidade Kauwê, criada já 17 anos e situada no município de Pacaraima, ao Norte de Roraima.
A consultoria oferecida pela instituição tem permitido que os indígenas aprimorem seus serviços e ampliem suas oportunidades de geração de renda.
A produção de café indígena, por meio do projeto Imeru Café, também se tornou uma referência, impulsionada por programas do Sebrae. Além disso, projetos da comunidade já foram selecionados para o Inova Amazônia, iniciativa que apoia negócios sustentáveis na região. “Sempre falo para outras comunidades que nós temos capacidade de gerenciar nossos próprios negócios. O empreendedorismo indígena é uma realidade e, com organização e qualificação, podemos abrir portas para o turismo e outros segmentos. Para o próximo ano, já estamos planejando a construção de pousadas ecológicas dentro da comunidade para receber os visitantes com ainda mais qualidade”, ressalta Karynna.
A consultora do Sebrae, Angelita Vogel, destaca que empreender exige coragem e criatividade, características marcantes em Karynna. “Ela já empreendia, trazendo a comunidade Kawê para a área do turismo, onde pôde apresentar a comunidade em vários eventos a nível nacional e sempre demonstrou esse interesse em empreender nessa área de moda”, afirmou ao lembrar que foi sugerido à Karynna essa integração dos negócios. Segundo Angelita, durante as consultorias de turismo, foi discutida a possibilidade de unir os dois empreendimentos, combinando elementos indígenas, como grafismos e características culturais, à moda. “O Sebrae tem esse intuito de ajudar e contribuir cada vez mais com os empresários que tenham interesse em inovar, modificar seus negócios e ampliar parcerias”, concluiu.
Amayikok: A trajetória do artista indígena por trás da Moda Kauwê
A cultura indígena ganha vida nos traços, formar e cores do artista José Faustino Casado, conhecido como Amayikok, cujas pinturas e esculturas carregam a essência da natureza e da ancestralidade dos povos originários. Nascido no vilarejo de Puerto Polo Huai Paru, na Gran Sabana, estado de Bolívar, Venezuela, ele encontrou na arte um refúgio para os traumas da infância e uma forma de se conectar com suas raízes.
Desde a infância, a natureza foi sua maior inspiração. Aos oito anos, ainda na escola primária, começou a desenhar observando plantas, animais, pássaros e até mesmo o movimento das nuvens. “Todos esses foram meus professores de arte. Cada figura tinha um significado, uma explicação para entender a natureza como a coisa mais importante da vida”, conta Amayikok.
Sem acesso a materiais sofisticados, iniciou sua jornada artística com carvão de fogueira, madeira e barro, criando formas e experimentando técnicas rudimentares. A arte, além de um talento natural, foi sua válvula de escape para lidar com a dor da ausência materna.
Aos 14 anos, decidiu sair de casa para explorar a Gran Sabana e vender suas obras. Enfrentou dificuldades, buscou estudar e encontrou apoio no Dr. Francisco, um colecionador que valorizou seu trabalho. Sua trajetória ganhou projeção ao participar de uma exposição de arte em Caracas, onde precisou criar um nome artístico. “Eu sempre assinava minhas obras como J. Casado, mas um jornalista perguntou pelo meu nome indígena. Então escolhi ‘Amayikok’, em homenagem ao espírito da selva que me atormentava quando criança”, relembra o artista.
Ao longo dos anos, além da arte, construiu uma carreira no esporte, sendo reconhecido como treinador de triatlo e instrutor de karatê, recebendo reconhecimento nacional pelo Ministério da Energia e pelo Comitê Olímpico Venezuelano.