MÚSICA

Quantas versões de "Water" Tyla usou pra fazer seu primeiro álbum?

Para além da música, é preciso falar sobre recortes e como o mercado se beneficia da representatividade dos artistas.

Tyla para a capa de seu álbum "Tyla" — Foto: Reprodução/Internet
Tyla para a capa de seu álbum "Tyla" — Foto: Reprodução/Internet

Durante todo esse tempo, Tyla se apresentou como uma espécie de embaixadora do subgênero de dança sul-africano amapiano. O gênero, que significa “os pianos” em Zulu, teve anos de ascensão vertiginosa, primeiro na África e depois no mundo todo. As fronteiras do amapiano são fluidas, incorporando tanto os sons mais amplos do afrobeats quanto os gêneros sul-africanos mais antigos, como kwaito e o gqom. Dois elementos prevalecem na maioria das músicas de amapiano: tambores percussivos e uma atmosfera envolvente, e foi isso que tivemos no primeiro hit de Tyla, “Water”.

Tyla foi a vencedora do Grammy de Música africana — Foto: GettyImages

Embora ela fale com frequência sobre o orgulho que tem por suas raízes, fica muito claro que ela mira no pop global. Como muitos, ela começou sua carreira postando covers de Justin Bieber e enviando DMs a quem pudesse responder. Ela sempre cita Rihanna como inspiração, tanto pelo som quanto pelo papel de representante musical de Barbados. Para os que conhecem artistas mais antigos, também é possível ouvir muito de Aaliyah e um pouco da energia coquete de Ariana Grande. Esse movimento de abraçar o amapiano de verdade só veio depois, à medida que o gênero ganhava força. “Getting Late” foi a prova de conceito de Tyla para o que a crítica chama de “popiano”, um caminho que ela encontrou para fazer um crossover e que, em “Water”, ficou muito mais evidente que funciona.

Se você, por alguma razão, nunca escutou “Water”, não leia essa review antes de ouvir:

De volta à review...

É difícil garantir que a mistura do pop e amapiano faça sentido com o que o público do streaming quer, e parece que o álbum Tyla gira em torno dos diversos caminhos que existem para que ela possa ser pop sem perder a identidade. É compreensível que puxe mais para o pop, considerando apenas a duração das faixas: nenhuma ultrapassa três minutos e meio. A maioria do álbum foi feita com o produtor de “Water”, Sammy SoSo, e apenas três faixas parecem ter sido pensadas para potencial de crossover de gêneros. Tendo dito isso, vamos falar de alguns destaques.

A primeira faixa completa do álbum, “Safer”, é a melhor execução da visão de “popiano” de Tyla. Ela é como se fosse “Water”, mas com alguns ajustes rítmicos e vocais levemente mais sedutores. O refrão, quando parece que vai pegar, não pega. Para abrir o álbum, acho que é uma escolha aceitável.

“Butterflies” é suave e etérea; o início lembra bem de leve “Supermodel” ou “Good Days”, da SZA. A faixa foi produzida pelo escritor de Renaissance, Ari PenSmith, e pelo produtor Sir Nolan. Mesmo que seja linda na voz de Tyla, a impressão que fica é que poderia ter sido escrita para qualquer cantora pop de sucesso que surgiu depois de 2020.

“On My Body” é basicamente “Water”, com um verso em espanhol da Becky G, para atingir o mercado latino. É boa de ouvir, mas não impressiona nem gruda.

“On And On” é bem direta: ela vai festejar a noite toda como se estivesse em 1995 e quer que a festa continue porque não vai para casa. O engraçado dessa faixa é que poderia ser facilmente da Ariana Grande, quando se pensa em sonoridade.

Enquanto isso, “ART” é a versão de “Water” em que Tyla se coloca como uma musa do artista, uma obra de arte. Das versões de “Water” do álbum, depois da original, essa é a que dá mais vontade de ficar.

O resto do álbum, na verdade, soa indiferente às expectativas de crossover de gêneros. Vale destacar que essa mistura de pop e amapiano que esperamos de Tyla não é por acaso. É basicamente o que ela se colocou à disposição para entregar. Exatamente por isso essas são as expectativas. Se ela atendeu ou não, vai depender de quem escuta. É difícil dizer se o resultado final de Tyla estava realmente alinhado às expectativas dela.

Falando de recortes

Para um hit acontecer são diversos fatores, e é interessante pensar o que seria de Tyla sem o advento de “Water”. Ela entrega um pop que é bom, um R&B que é bom. Nas performances, boa dança, vocais, presença e muito orgulho do lugar de onde ela vem. Mas será que a intenção dela é permanecer nesse recorte?

E falando em recortes, também é interessante pensar Tyla da perspectiva do mercado. Tyla está representando a música sul-africana, colocando o amapiano e outros ritmos sob a luz dos holofotes.

Quando pensamos em representatividade, existem dois pontos de vista: Pelo primeiro, é maravilhoso que Tyla, como uma mulher africana, ocupe esse espaço tão difícil de alcançar no pop, inspirando outros artistas e causando esse sentimento de identificação que todo mundo procura. Por outro lado — e isso é uma crítica ao mercado e não à Tyla — é frustrante como a indústria se apodera da potencialidade dos artistas e os reduzem a um recorte que será usado de maneira passageira a favor do lucro para depois deixá-los de lado.

O talento de Tyla é inegavel, mas existe intenção em se criar uma categoria de Grammy e entregar o primeiro prêmio a umo novata na indústria que, por um acaso ou não, acabou de emplacar um hit.

“Para quem não me conhece, sou a Tyla, uma sul-africana de 22 anos”. Essa foi uma das frases que Tyla disse no palco do Grammy e é uma vitória coletiva que esse espaço esteja sendo ocupado.

Pertencimento significa muita coisa mas será que, no caso de Tyla, isso vai ser o suficiente para se solidificar no mercado? Temos certeza de que Tyla é MUITO MAIS que uma sul-africana de 22 anos. O que não sabemos é o que a indústria irá fazer quando ela decidir mostrar quem é para além de seu país.

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