Luto

João Donato, mestre da bossa nova e da MPB, morre aos 88 anos no Rio

Compositor, pianista e arranjador foi um dos nomes mais importantes da música brasileira, e passeou pela bossa nova, MPB, ritmos latinos e caribenhos. Ele estava internado com pneumonia

Cantor e compositor foi um dos maiores nomes da MPB (Foto: Agência Brasil)
Cantor e compositor foi um dos maiores nomes da MPB (Foto: Agência Brasil)

O pianista, arranjador, cantor e compositor João Donato morreu aos 88 anos às 3h20 da madrugada desta segunda-feira, 17, no Rio de Janeiro. Ele estava internado com pneumonia na Casa de Saúde São José, no Humaitá, e foi intubado no dia 6 de julho.

O velório será realizado no Theatro Municipal do Rio, e a cremação será no Memorial do Carmo. Os horários ainda não foram divulgados.

“Hoje o céu dos compositores amanheceu mais feliz: João Donato foi para lá tocar suas lindas melodias. Agora, sua alegria e seus acordes permanecem eternos por todo o universo”, diz texto no perfil do músico no Instagram.

Há cerca de um mês, Donato cancelou sua participação em show em Los Angeles, no Estados Unidos, ao lado da cantora e compositora Joyce Moreno, já por problemas de saúde.

João Donato foi um dos principais nomes da bossa nova, parceiro de João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e outros. Ao longo da carreira, de mais de 70 anos, expandiu os limites da MPB ao fundir jazz, samba e outros ritmos latinos e caribenhos.

João Donato de Oliveira Neto nasceu em 17 de agosto de 1934 em Rio Branco, Acre. Compositor, pianista e arranjador, ele fez a primeira gravação em 1949, aos 15 anos, tocando acordeon, no disco de estreia de Altamiro Carrilho.

Foi o início de mais de 70 anos de carreira, consagrado no País e no exterior, em que fez parcerias com os maiores nomes da bossa nova e também artistas brasileiros como Dorival Caymmi e internacionais como Herbie Mann.

Nascido no Acre, João Donato, ao contrário do que possa parecer, teve contato mesmo com a música latina e caribenha quando decidiu ir morar nos Estados Unidos, na década de 1960. Donato havia ido ao país para conhecer de perto o jazz, gênero que sempre admirou, mas, por lá, teve contato com as orquestras latinas que tocavam em Los Angeles e Nova York. Essa influência marcaria sua música e tudo o que ele passou a produzir dali adiante.

Donato começou sua carreira no fim dos anos 1950, período que coincidiu com o surgimento da bossa nova. No Rio de Janeiro, tocou em boates e passou a ser chamado para gravar e fazer arranjos na Companhia Brasileira de Discos (CBD). Nos anos iniciais da bossa nova, costumava se reunir com os amigos e parceiros Tom Jobim, João Gilberto e Johnny Alf em longas caminhadas pela zona sul do Rio de Janeiro, quando falavam sobre música e futebol.

Ainda nos Estados Unidos, Donato gravou um dos álbuns mais cultuados de sua carreira, A Bad Donato, pela Blue Tumb Records. Quem assina os arranjos do disco é outro brasileiro, o pianista Eumir Deodato, também estabelecido nos Estados Unidos.

Foi Deodato quem levou a orquestra do músico americano Stanley Kenton para participar da gravação de A Bad Donato. Nesse trabalho estão faixas como The Frog e Cadê Jodel, que acompanhariam a carreira de Donato. O álbum teve uma espécie de DNA da música feita por Donato, uma mistura de bossa, jazz, música latina, funk americano e eletrônica, essa última por meio dos sintetizadores.

De volta ao Brasil, em 1972, Donato, ainda não era um sucesso popular entre o público brasileiro. A história começou a mudar quando suas canções instrumentais passaram a ganhar letras.

No álbum Quem É Quem, de 1973, a música Ahie, ganhou letra do compositor Paulo César Pinheiro, que já compunha para grandes nomes da música brasileira, e Até Quem Sabe de Lysias Ênio, irmão de Donato.

Donato, então, passou a ser gravado por outros outros, sobretudo por cantoras. No mesmo ano de 1973, Nana Caymmi gravou Ahie. Em 1974, no álbum cantar, Gal Costa gravou The Frog, que com letra de Caetano Veloso passou a se chamar A Rã – e se tornou um clássico da música brasileira. No mesmo disco, Gal gravou Até Quem Sabe e Flor de Maracujá, de Donato e Lysias.

Outro parceiro constante na década de 1970 foi Gilberto Gil. Juntos, eles fizeram Lugar Comum, Bananeira e Emoriô – todas foram grandes sucessos comerciais. Emoriô, incluisve, é frequentemente redescoberta nas pistas de danças internacionais e ganhou diversos remix ao longo dos anos.

Recentemente, Gil postou um vídeo em que sai do palco de um show da turnê Nós, A Gente, em que faz com a família, cantando Emoriô, e adentra pelos corredores que levam aos camarins da Concha Acústica, em Salvador. Gravada por Fafá de Belém em 1975, Emoriô ganhou em 2023 um remix e um clipe feitos pela dupla francesa de música eletrônica Trinix.

Em 1982, Donato alcançou outro sucesso popular com a gravação de Nara Leão para a faixa Nasci Pra Bailar, composta ao lado de Paulo André. O músico assina os arranjos da faixa.

Com Gil, Donato também fez a canção A Paz, também chamada de Leila IV, lançada pela cantora Zizi Possi em 1987. A gravação entrou para a trilha sonora da novela Mandala, da TV Globo, e logo se tornou sucesso.

Gil disse que fez a letra ao visitar Donato em sua casa e vê-lo dormindo, me plena luz do dia. O compositor ainda se inspirou no livro Guerra e Paz, de Leon Tolstói, para as contradições que a letra traz.

Apesar do reconhecimento, Donato ficou quase 20 anos sem gravar um álbum no Brasil, retornando ao estúdio somente em 1995, quando lançou Coisas Tão Simples, com novas canções e versões de sucessos como Bananeira e Lugar Comum. Nesse disco há uma parceria entre Donato e Cazuza, o bolero Doralinda, também gravada pela cantora Nana Caymmi em 1998.

Donato continuou a gravar nos anos 2000 e a fazer turnês pelos Estados Unidos, Europa e Japão. Também dividiu discos com parceiros, como o músicos Paulo Moura, com quem dividiu o álbum Pano Pra Manga, lançada em 2006, e Joyce Moreno, com quem gravou Aquarius, em 2012. Com o filho, Donatinho, lançou Sintetiza Amor, em 2017. Em 2021, foi a vez de dividir o estúdio com Jards Macalé no álbum Síntese do Lance.

O último álbum lançado por João Donato foi Serotonina, em 2022, seu primeiro disco de inéditas em duas décadas. Nele, o músico traz parcerias como nomes como Anastácia e Rodrigo Amarante. Em fevereiro de 2023, Donato apresentou Serotonina no Sesc Pinheiros, em São Paulo, provavelmente um de seus últimos shows.

Ele ganhou prêmios como o Grammy Latino em 2010, por melhor álbum de jazz latino, com Sambolero, o Prêmio Shell de Música em 2000, pelo conjunto da obra, e o prêmio Tim, em 2004, pelo disco Emílio Santiago encontra João Donato. Em 2022, o álbum Síntese do Lance, que ele dividiu com Jards Macalé, foi indicado ao Grammy Latino.

Fonte: O Estado de S.Paulo