A presença de organizações criminosas em garimpos na Terra Yanomami não é novidade, mas passou a integrar a linha de investigação da Polícia Federal após um foragido do Amapá e também faccionado, morrer em confronto armado com a Polícia Rodoviária Federal (PRF). A crescente onda de violência na região atingiu a marca de 14 mortes em uma semana.
O garimpo ilegal na reserva indígena deixou de ser exclusivo para a extração de ouro ou cassiterita, e passou a servir também para escoar drogas à outros países e estados, segundo o sociólogo Rodrigo Chagas, pesquisador do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Fronteiras da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Agora, trata-se do ‘narco garimpo’.
“Os garimpos acabam formando uma logística paralela à logística oficial. Você tem várias pistas e isso faço facilita a entrada de drogas, porque não tem que passar por portos e aeroportos oficiais. Você tem portos e aeroportos do garimpo”, comenta Chagas.
Desde fevereiro deste ano, o governo federal tem intensificado as ações de combate ao garimpo na Terra Yanomami. Estima-se que ao menos 80% dos envolvidos na mineração ilegal tenham deixado a região. No entanto, um grupo segue resistindo às pressões impostas pelas operações realizadas pela Polícia Federal, Ibama, Forças Armadas, Força Nacional de Segurança Pública e Funai.
Chagas afirma que esta resistência é formada provavelmente por pessoas fugitivas de penitenciárias e vinculadas a alguma facção. Por ser uma área de difícil acesso, os acampamentos tornaram-se lugares “seguros” para foragidos ficarem escondidos.
No garimpo, de acordo com Chagas, os membros das organizações criminosas atuam no controle dos prostíbulos dos acampamentos, as chamadas “corrutelas”, e fazem investimento nas ferramentas do garimpo e na venda do ouro para “lavar” o dinheiro do tráfico. O pesquisador afirma que foi identificada a presença das duas maiores organizações criminosas nacionais, sendo a nascida em São Paulo com maior presença.
“Eles [faccionados] acabam passando por todas as funções tradicionais do garimpo. A parte logística de financiamento de garimpos preocupa porque é a parte de controle maior do garimpo e é por isso que a gente está chamando de narco garimpo. Isso muda o que é o garimpo clássico e acaba tendo uma atração entre as duas atividades ilícitas, ganhando outras dinâmicas. Essa é a preocupação maior”, explica Chagas.
Entre estas dinâmicas está a segurança armada dos acampamentos. Ao menos desde 2019, indígenas da região de Palimiú notaram “uma mudança importante no comportamento dos garimpeiros”, conforme o relatório “Yanomami Sob Ataque”, produzido pela Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana e Instituto Socioambiental (ISA).
Até então, apenas os barqueiros andavam encapuzados e a partir daquele ano, passou a ser comum ver não indígenas com roupas pretas e armamento pesado. A antiga espingarda, deu lugar a pistolas e fuzis. A abordagem nas comunidades também passou a ser mais violenta.
Palimiú é a mesma região que em 10 de maio de 2021 sofreu o primeiro de uma série de ataques armados, que duraram por ao menos um mês. Na época, áudios circularam em grupos de garimpeiros de que “uma canoa da facção estava descendo com mais de 20 homens armados com metralhadoras e fuzis”, ainda segundo o relatório. Na época, houve trocas de tiros entre garimpeiros e agentes da PF.
“Primeiro, não é novidade o narcotráfico no garimpo. Segundo, não é novidade que o governo saiba que o narcotráfico utiliza o garimpo. Isso são informações muito importantes, porque quando você estimula a garimpagem, você está sabendo o risco do garimpo ser tomado pelo narcotráfico. […] No geral, há muitos relatos, muitas evidências da presença dessas facções dentro do garimpo, que vão desde o calibre de armas, dos relatos das prostitutas por exemplo”, salienta Chagas.
Violência crescente
No sábado (6) o corpo de uma mulher, com sinais de violência sexual e enforcamento, foi encontrado dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima. A vítima foi identificada como a venezuelana Jenni Rangel, de 28 anos.
Segundo a Polícia Federal, ela foi localizada em uma área próxima ao local onde os corpos de oito garimpeiros foram achados, na última terça-feira (2). O corpo da mulher já foi removido para exames e perícia do Instituto Médico-Legal (IML), em Boa Vista. Com Jenni, chegou a 14 o número de mortos em uma semana na região.
No dia 30 de abril, quatro garimpeiros foram mortos em confronto com a polícia, após um ataque que deixou um indígena morto e outros dois feridos, na região de Uxiú, em 29 de abril.
A FolhaBV tem procurado a Polícia Federal para obter respostas sobre a identificação das vítimas e também as circunstâncias das mortes, mas não obteve qualquer retorno.